Você está aqui

 

Os impactos das transformações econômicas, políticas e tecnológicas no mercado de trabalho foram debatidos, nesta quinta e sexta-feira. Empresários, autoridades e profissionais da área jurídica avaliaram as mudanças na forma de produzir, contratar e negociar. O IX Simpósio de Relações do Trabalho, realizado pela FIERGS, em parceria com a Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas no RS (Satergs), ocorreu no Hotel Serra Azul, em Gramado.
 
Na abertura do evento, o presidente da FIERGS, Heitor José Müller, alertou para a necessidade de modernização das leis. Segundo ele, a entidade, a Confederação Nacional da Indústria, os sindicatos industriais e os empreendedores propõem a discussão de um novo modelo de desenvolvimento, que priorize a empregabilidade e pelo qual seja instituído um processo de desenvolvimento sustentado. “Os períodos de crise devem servir para reflexões muito profundas sobre as bases em que estão assentadas as relações de trabalho no Brasil. Não podemos separar a geração e manutenção de empregos do necessário fortalecimento e expansão das empresas privadas. Lamentavelmente, passamos por uma séria crise, que comprime radicalmente a dinâmica das atividades produtivas. Como a economia é uma só, as empresas são obrigadas a adotar medidas drásticas para sobreviver. Retomando o crescimento, podemos aumentar rapidamente a empregabilidade dos setores produtivos”, disse.
 
Essa situação, conforme o industrial, vai além dos índices temporários de desemprego. “Em 12 meses, até agosto último, conforme dados do Ministério do Trabalho, foram fechadas 778 mil vagas de emprego no Brasil. Infelizmente, números dessa magnitude não são levados em conta na formulação de políticas ou na elaboração de leis e regulamentos. Há muito tempo, foi criado um enorme aparato no nosso País para proteger aqueles que já têm emprego, mas desprezando o acesso ao mercado de trabalho de quem ainda não conseguiu a sua vaga”, apontou o presidente da FIERGS.
 
Lembrou que o Brasil sempre é citado entre as nações com maior número de reclamatórias trabalhistas do mundo. “Entre 2011 e 2013, ingressaram mais de 3 milhões de ações novas da área trabalhista. Na Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul, em 2014, deram entrada 172 mil novas ações no primeiro grau. Assim, no acumulado dos últimos cinco anos, o crescimento do número de demandas em nosso Estado chega a quase 40%”. Para Müller, a proteção desmesurada dos empregados ocasiona a redução da empregabilidade nacional. “Caso perdure esse paradoxo, teremos que criar o Ministério dos Desempregados. Este seria um ícone das contradições brasileiras”
 
O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Douglas Alencar Rodrigues, disse que as críticas dos empresários são legítimas e que o debate democrático deve ser estabelecido para haver “equilíbrio na relação capital e trabalho”. Rodrigues apontou as negociações coletivas como “a chave” para resolver as dificuldades. “O Direito do Trabalho estabelece um conjunto de garantias sociais e é fundamental para a ordem social e econômica. Pode ser melhorado e a arena para o debate é o Legislativo. As críticas a ele surgem sempre em períodos de crise econômica”, argumentou. 
O presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas no RS (Satergs), Gustavo Juchem, falou que o momento é oportuno para o debate de soluções nas relações trabalhistas. “Estamos passando por uma grave crise no País e precisamos manter a geração de empregos. Acredito em relações menos conflituosas e mais harmônicas para juntos encontrarmos o caminho para o desenvolvimento”, ponderou.
 
 
Especialistas defendem uma legislação mais moderna
 
Os Caminhos para a Modernização das Instituições do Mercado de Trabalho foi o tema abordado na palestra do professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP), Hélio Zylberstajn, nesta sexta-feira, segundo dia do IX Simpósio de Relações do Trabalho, em Gramado. “Não podemos ignorar as transformações profundas que ocorrem no mundo. Aprimorar as instituições do mercado de trabalho é uma prioridade. Mas avançar com critério e sensibilidade. Temos que compartilhar com justiça os riscos do novo”, argumentou.
 
O atual padrão de inovação tecnológica, segundo ele, altera rapidamente, e de forma brusca, “a maneira de se fazer as coisas”. Explicou que primeiro o computador veio para substituir o trabalho humano em atividades rotineiras, repetitivas e previsíveis. Agora substitui em ações com conteúdo cognitivo e não rotineiro. Citou como exemplos o automóvel sem motorista e elaboração de petições e outros documentos legais. Conforme uma pesquisa da Universidade de Oxford, onde foram avaliadas 702 ocupações, mais de 47% dos empregos nos Estados Unidos podem ser computadorizados.
 
A redução da importância do conhecimento específico e dos custos de transação ocasionados por essa nova realidade tem como consequência a organização da produção em redes globais e horizontais, o que significa menos vínculos. “O Direito do Trabalho emergiu no mundo da grande empresa vertical e do emprego permanente. É preciso evoluir da proteção do vínculo para a proteção do trabalho. Da proteção no emprego para a proteção no mercado de trabalho”, afirmou.
Sobre a terceirização, disse ser necessário qualificar o debate. “Ela não representa necessariamente retrocesso. Pelo contrário”, afirmou, citando um estudo sobre o tema que mediu o diferencial de salários terceirizados e diretos. “Os resultados mostraram que a proporção de terceirizados no mercado de trabalho não é tão grande e o diferencial de salários é muito pequeno, na média bastante heterogêneo, relatou.
 
A desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Yone Frediani, falou no painel “Relações do Trabalho no Terceiro Milênio”. Conforme a doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a velocidade das mudanças no mundo é grande. “O Direito do Trabalho não tem como ser o mesmo de quando foi criado para proteger os trabalhadores. Ainda não acordamos para a realidade de que não há empregos para todos e muitos deles serão informatizados, em torno de 47%. Precisamos nos preparar para essa realidade irreversível”, alertou. “As relações do terceiro milênio são produto do que aconteceu na chegada das máquinas para executar tarefas que antes eram do homem.”
Frediani explicou que o fato de se contratar alguém de forma autônoma não afronta o direito do trabalhador. “A Constituição garante o direito a um trabalho e não a um contrato de trabalho. A falta de moradia, educação e saúde, sim, afronta o trabalhador”, enfatizou. “Precisamos tirar nosso Legislativo da inércia. Se continuarmos dessa forma, nosso mercado econômico não vai atrair investimentos estrangeiros, por exemplo. Temos que nos preocupar com o direito constitucional ao trabalho digno e seguro”, concluiu.
 
O coordenador do Conselho de Relações do Trabalho e Previdência Social (Contrab) da FIERGS, Paulo Garcia, disse ser necessário valorizar as negociações em empresários e empregados. “Os dois atores têm mais condições de fazer os seus acertos do que no Tribunal Superior do Trabalho, que está longe desse ambiente. A desconexão da Justiça do Trabalho com a realidade do dia a dia nas empresas é que cria uma percepção de que as coisas estão erradas. A insegurança jurídica traz um alto custo tanto para empresas quanto para o País. Muitas vezes são feitos acordos entre os sindicatos patronais e laborais que depois o TST revoga. Isso que queremos debater e corrigir, se o Brasil quiser tomar um rumo mais estável do que temos vivenciado”, salientou.
 
O IX Simpósio de Relações do Trabalho contou também com palestras sobre os seguintes temas: Análise Econômica Aplicada ao Direito do Trabalho; Questões Atuais de Direito Material e Processual do Trabalho; A Recente Alteração na Atualização Monetária dos Débitos Trabalhistas; A Nova Lei dos Recursos Trabalhistas; Os Desafios do Século XXI ao Sindicalismo Brasileiro; Previdência Social e (em) Crise; A Nova Sistemática Recursal Trabalhista: Aspectos Processuais Econômicos; e A Crise Econômica e o Direito do Trabalho: Desafios e Oportunidades.
 
O seminário, que termina no final desta tarde, é uma realização da FIERGS, por meio do Contrab, em parceria com a Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas no RS (Satergs).
 
Publicado sexta-feira, 23 de Outubro de 2015 - 18h18